Nas empresas avícolas do mundo todo, a produção da ave viva e o processamento estão conectados por meio da relação fornecedor-cliente. Como a matéria-prima é um elemento indispensável nessa interação, a produção de frangos deve ser administrada tendo-se em mente o cumprimento dos requisitos do abatedouro ao longo de todo o ano. No meio de tantas exigências que as granjas têm de cumprir, a uniformidade se destaca como uma das prioridades.
Sabe-se muito bem que a uniformidade dos lotes é benéfica para um desempenho técnico e econômico ideal dos animais vivos. É amplamente aceito pela indústria que quanto mais aves houver num intervalo de peso correspondente a ±10% do peso médio do lote, mais uniforme esse lote será, e a forma para se calcular isso está amplamente difundida.
Hoje, o nível de automação das plantas de processamento vem crescendo no mundo todo, e grande parte da carne de frango produzida vai parar nas mãos de varejistas e cadeias de fast food, com qualidade e especificações de peso bastante estritas. Consequentemente, as empresas avícolas devem buscar garantir a maior uniformidade possível de sua matéria-prima, já que a baixa uniformidade do lote prejudica o desempenho do processamento, a integridade dos produtos e o cumprimento das especificações dos consumidores, juntamente com o aumento dos descartes comerciais pelo nãoenquadramento das peças nas exigências de peso do mercado.
As empresas avícolas do mundo todo têm investido em automação em suas plantas como resposta ao crescente custo e simultânea redução da disponibilidade de mão de obra. Essa reviravolta trouxe novos desafios operacionais, que exigiram uma compreensão clara das exigências das plantas e um gerenciamento mais integrado da produção e do processamento com o intuito de dar uma resposta mais eficaz a esses desafios.
O maquinário dos abatedouros está configurado para um determinado tamanho de carcaça, ou uma faixa de peso definida, para que possa garantir uma apresentação ideal dos produtos e, desta forma, atender as especificações rigorosas destes. Mas, o problema é que esse maquinário é construído para operar dentro de uma tolerância relativamente limitada de distribuição de peso das carcaças. Assim, pesos extremos em um mesmo lote vão não apenas reduzir a precisão e eficácia das máquinas, como também a qualidade e o rendimento do produto.
Lotes não uniformes são difíceis de ser pendurados, já que as patas das aves menores não se encaixam uniformemente nos ganchos, ficando frouxas, enquanto as das aves maiores ficam apertadas demais. Isso pode, também, levar ao aumento no número de aves que caem da linha no decorrer do processo, sobretudo na escaldagem e na depenagem, ou exigir uma pressão excessiva das mãos dos penduradores sobre as coxas das aves no momento da pendura, o que pode provocar danos irreversíveis às mesmas.
É muito difícil garantir um atordoamento adequado quando o lote é desuniforme. Configurar os parâmetros e altura do atordoador para as aves maiores fará com que as menores não toquem a água, o que fere as regulamentações de bem-estar animal e pode produzir carcaças mal sangradas, refugos e carcaças danificadas. Por outro lado, ajustar o equipamento para as aves menores resultará em insensibilização inadequada das maiores, fazendo que estas sejam imersas muito profundamente na água, possivelmente aumentando a incidência de defeitos nas asas e nos filés de peito.
Aves desuniformes requerem ajustes específicos. Aves maiores requerem ajustes mais complexos da escaldagem, que podem infligir danos à pele, aumentar a perda de gordura subcutânea e provocar queimaduras nos filés de peito das carcaças menores. Os ajustes mais brandos exigidos para as aves menores podem ser insuficientes para escaldar as maiores adequadamente. Depenadeiras configuradas para depenar carcaças menores podem aumentar a quantidade de danos à pele e às asas das carcaças grandes, ao passo que o contrário pode acarretar uma depenagem de má qualidade das aves menores.
Na estação responsável pela simultânea transferência e corte das patas, a posição desuniforme das patas das aves grandes e pequenas nos ganchos pode deixar excesso da canela nas juntas das aves maiores, ou então produzir um corte abaixo da articulação, prejudicando a transferência para a linha de evisceração o que requereria a evisceração manual dessas carcaças.
As máquinas da linha de evisceração são naturalmente difíceis de serem ajustadas corretamente mesmo em condições de boa uniformidade do lote. Em condições de baixa uniformidade, configurar a linha torna-se ainda mais problemático, prejudicando, consequentemente, o desempenho operacional.
A baixa uniformidade pode levar a um acoplamento inadequado das carcaças aos módulos da cortadora de cloaca, o que pode resultar na inexata remoção e deslocamento das cloacas, comprometendo a inocuidade do produto e o funcionamento da abridora de abdômen. A pressão desigual exercida pelas máquinas sobre as carcaças, pelos seus tamanhos desiguais, pode aumentar a incidência de intestinos rompidos e de contaminação fecal. Na abridora de abdômen, a desuniformidade das carcaças pode produzir o facilitar e elevar o rompimento dos intestinos e aumentar a incidência de contaminação. Além disso, o deslocamento da lâmina de corte, que é configurada para uma determinada variação de tamanho de carcaças, pode realizar tanto um corte curto em aves grandes, comprometendo a evisceração e a eficácia do resfriamento, quanto um longo corte nas aves pequenas, cortando a extremidade do peito.
Na evisceradora, as carcaças devem ser acopladas uniformemente nos módulos, e as espátulas devem estar bem ajustadas para deslizarem entre a superfície interior do peito e o pacote de vísceras, para produzir a correta extração e exposição do pacote de vísceras. Quando a uniformidade dos lotes é baixa, gerando a acomodação inconsistente das carcaças aos módulos, as pás podem baixar tanto sobre o pacote de vísceras, rompendo os intestinos e danificando o fígado e a vesícula biliar, quanto pela parte externa das carcaças, danificando a superfície exterior do peito. Além disso, a exposição do pacote de vísceras e dos miúdos comestíveis pode ser comprometida pelo movimento de retorno das vísceras à cavidade abdominal, ou pela queda dos pacotes sobre a bandeja da máquina.
As carcaças menores estão mais propensas a apresentar problemas na extratora de papo e traqueia do que as grandes. Dado que o diâmetro das lanças é menos compatível com a abertura do pescoço nas carcaças menores, quando estas se movimentam para cima e para baixo, raspam a carne ao redor da fúrcula, afetando o rendimento e apresentação do filé de peito, e podem chegar mesmo a rompê-la e empurra fragmentos do osso para dentro do filé de peito que, pelo pequeno tamanho, são difíceis de detectar pelos métodos convencionais de inspeção manual usados nas linhas de corte. Além disso, dependendo de como as aletas são dispostas, podem fazer girar as carcaças e quebrar as costelas, consequentemente diminuindo o valor da carcaça quando vendida inteira, ou reduzindo o aproveitamento quando esta é convertida em “9 cortes”.
Resfriar carcaças desuniformes pode ser mais difícil e caro em comparação a carcaças uniformes. O corte abdominal irregular origina um fluxo irregular de água para dentro e para fora da cavidade abdominal ao longo do tanque. Já que o fluxo de água contribui para a lavagem interna da cavidade abdominal e desinfecção das carcaças, bem como para acelerar a remoção de calor e a absorção, os resultados podem ser irregulares e imprevisíveis, com consequências para a inocuidade alimentar, temperatura final, absorção, rendimento e planejamento da produção. Ademais, os parâmetros de resfriamento devem ser configurados para garantir a temperatura final das carcaças maiores, as que merecem mais atenção. Isso significa que as menores serão super-resfriadas, o que é um desperdício de energia.
A menos que o abatedouro classifique as carcaças à saída do chiller e divida as mesmas para duas linhas de corte, pelo menos, cortar carcaças desuniformes e não classificadas por peso em apenas uma linha de corte pode se tornar um pesadelo para os funcionários da planta.
Sob estas condições operacionais restritas, as consequências podem ser drásticas para a qualidade, a aparência e o rendimento dos cortes. Além disso, a uniformidade é um fator-chave no tamanho dos produtos. Carcaças que são ou muito grandes ou muito pequenas não podem ser destinadas à produtos premium, e acabarão sendo descartadas para destinos comerciais menos rentáveis, ou terão de ser despachados, com um custo adicional pela logística, a outro frigorifico que possa fazer um bom uso delas. Bons exemplos do impacto da classificação são os produtos exportação, os produtos 9 cortes e aqueles destinados à fast food.
Falta de uniformidade não será um problema para as empresas que desossam os peitos e pernas à mão. Ainda muito comuns na Ásia e na América Latina graças, principalmente, à disponibilidade e ao custo competitivo da mão de obra, essas empresas são capazes de cortar qualquer tamanho de carcaça ao mesmo tempo.
Contudo, a falta de uniformidade se converte num problema quando estas operações são feitas à máquina. Neste caso, quanto mais uniformes forem as carcaças, mais fácil será ajustar as máquinas para remover o máximo de carne dos ossos, otimizando o rendimento, e mais consistente serão os produtos finais. Quanto menor a uniformidade, mais carne sobrará nos ossos de carcaças grandes, ao mesmo tempo em que poderá aumentar a presença de ossos e cartilagem nos cortes oriundos das carcaças menores. Mas, a carne deixada nas carcaças e nos ossos não será perdida, podendo ser raspada e vendida como sobras, ou ser recuperada como carne mecanicamente desossada. Todavia, o valor de mercado para ambos os subprodutos é muito menor.
A importância da uniformidade vai além do processo de desossa no caso das plantas que porcionam os filés sem osso em distintos tipos de corte, como os “nuggets” de músculo inteiro, por exemplo. A disponibilidade de tecnologia de porcionamento confiáveis encorajou muitas empresas a criar aves maiores, melhorando a eficácia do processo e permitindo porcionar os filés de peito de frango em produtos premium, de músculo inteiro e de qualidade superior. O padrão de corte das porcionadoras deve ser programado com precisão a fim de maximizar o aproveitamento de cada filé já que as aparas que restam ao final da operação são vendidas como um subproduto de baixo valor comercial.
O grau de uniformidade dos lotes de frango pode ter um significativo impacto na lucratividade das empresas. Dessa forma, a uniformidade deve ser encabeçar a lista de prioridades das empresas avícolas modernas. Para melhorar a uniformidade e, consequentemente, a lucratividade, é necessário um gerenciamento integrado da produção e do processamento.
Referências
BILGILI, S. WOGS (Worthwhile Operational Guidelines and Suggestions – tradução livre: “Diretrizes Operacionais Úteis e Sugestões”), abril de 2004.
COSGRIFF, B. “Uniformity equals profitability” (tradução livre: “Uniformidade é igual a lucratividade”), julho de 2009.
MADSEN, T. G. & PEDERSEN, J. R. “Broiler flock uniformity key” (tradução livre: “A importância da uniformidade do bando”). Feedstuffs, 2 de agosto de 2010.
CARNETEC – Por Fabio Nunes