O desempenho físico de cavalos é fortemente prejudicado pela anemia infecciosa equina (AIE). A descoberta foi feita por estudo da doença imunodepressora que atinge os equídeos (cavalos, jumentos, burros e mulas), confirmando os efeitos negativos causados pela enfermidade em cavalos do Pantanal. Foram investigados animais usados no manejo de gado em fazendas da região. A iniciativa, liderada pela pesquisadora Márcia Furlan, da Embrapa Pantanal (MS), é desenvolvida desde 2013 e finaliza agora os primeiros resultados. “Essa doença é viral e não tem cura. Uma vez que o animal esteja contaminado, vai estar sempre contaminado”, diz a pesquisadora.
A pesquisa envolveu ainda o trabalho da pesquisadora Adalgiza Carneiro, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), sob a coordenação da pesquisadora Sandra Santos, também da Embrapa Pantanal. Segundo Adalgiza, a equipe comparou o desempenho físico de um grupo de cavalos sadios com o de um grupo infectado em duas fazendas pantaneiras. O objetivo era examinar se a doença prejudica a realização da principal atividade desses animais na região, que é o manejo do rebanho na bovinocultura de corte. Os testes foram aplicados em dois grupos homogêneos de cavalos da raça Pantaneira, com avaliações de intensidade progressiva – que simularam a rotina de trabalho dos animais na região.
Doentes trabalham menos
Após um período de condicionamento, aplicações de testes e análises, os pesquisadores constataram que os cavalos infectados têm um desempenho notavelmente inferior em relação aos sadios. “A frequência cardíaca dos cavalos negativos para o teste de anemia infecciosa equina fica baixa durante os testes. Quando os que possuem a doença entram no trote ou no galope, essa frequência vai lá em cima. Portanto, vemos que os animais infectados suportam menos trabalho”, diz a pesquisadora. Para Adalgiza, isso significa que os animais positivos para AIE são mais suscetíveis a falhas e ataques cardíacos durante trabalhos intensos e longos no campo – característicos da região pantaneira – podendo chegar, até mesmo, à morte.
Outra análise realizada pela equipe foi a avaliação de distância percorrida. Nesse teste, os animais andavam 1.500 metros em cada modalidade: passo, trote curto e alongado, galope curto e alongado. “Vimos que a distância percorrida pelos cavalos sãos foi maior que a percorrida pelos positivos, que não aguentavam nada. Logo, a frequência cardíaca deles chegou a quase 200 – o máximo que se consegue no trabalho de um cavalo. A dos negativos ficou baixa, mostrando que, realmente, os animais positivos trabalham menos e suportam menos a lida no campo”, explica.
Para a pesquisadora, esses resultados desmentem a noção de que os animais contaminados trabalham com a mesma eficiência dos sadios: “Isso vem para convencer o produtor rural de que ele perde dinheiro se mantiver esses animais positivos na fazenda”.
Como combater
A anemia infecciosa equina é causada por um vírus semelhante ao da AIDS, mas com uma diferença: sua principal via de transmissão não é a sexual. Entre os equídeos, o vírus se propaga pelo contato com o sangue contaminado. A AIE não infecta humanos, mas causa sérias complicações aos animais. “Essa doença apresenta três fases: a aguda, a crônica e a assintomática. Na fase aguda, o animal pode morrer. Na fase crônica, ele melhora e piora várias vezes, pois seu organismo está se acostumando com o vírus. Depois, na fase assintomática, ele não apresenta sinais clínicos, mas continua sendo uma fonte de infecção”, afirma Márcia Furlan.
Sem uma vacina que reverta o quadro de contaminação, a melhor forma de impedir o avanço da doença é preveni-la. “O mais importante é impedir que qualquer cavalo ou equídeo entre em contato com o sangue de outro equídeo – independentemente de saber se ele é positivo ou negativo”, diz Márcia. Para isso, a pesquisadora cita algumas medidas simples de manejo sanitário que podem ser adotadas nos rebanhos equídeos de qualquer propriedade rural no País:
Arte: Nicoli Dichoff
Vale lembrar
De acordo com Márcia, é possível evitar a picada da mutuca – um inseto que também pode transmitir o vírus – se os equídeos da propriedade forem mantidos a uma distância mínima de 200 metros dos equídeos de outras fazendas. Normalmente, a mutuca não voa essa distância para picar outro animal. “Não adianta pôr a culpa na mutuca: ela é responsável por uma porcentagem de infecção muito menor que aquela provocada pela falta do manejo sanitário nas tropas”, afirma a pesquisadora.
Outro lembrete importante diz respeito aos potros filhos de éguas positivas. Segundo Márcia, mais de 90% desses animais nascem negativos para a doença. Porém, até cerca de seis meses de idade, os testes indicam que eles são positivos para AIE – não por estarem infectados, mas por mamarem o colostro com anticorpos que vêm da mãe. Depois dessa fase, os testes voltam a indicá-los como negativos.
Na prática
Até pouco tempo atrás, não se sabia ao certo que tipo de deficiências a AIE causava em animais do Pantanal. Mesmo assim, o produtor rural João Francisco Pereira Lima, que cria cavalos da raça Pantaneira em Mato Grosso do Sul, apostou na produção de um rebanho livre da doença há cerca de 20 anos como forma de valorizar o plantel. “Fiz o controle quando tinha uma fazenda no Pantanal e comecei a selecionar os animais da raça. Foi um trabalho longo porque a equipe não podia ficar a pé e precisava da tropa de serviço, mas consegui”, diz o produtor.
João Francisco conta que levou cerca de quatro anos para sair de um índice de 60% de animais positivos na tropa de serviço para um rebanho totalmente negativo. Para que isso fosse possível, ele diz que a conscientização dos trabalhadores da fazenda sobre as formas de prevenir o contágio foi fundamental. “Os peões mais antigos conheciam a doença. Mas não mantinham a prática dos cuidados sanitários”, diz. Entre as medidas implantadas na fazenda estavam o uso de agulhas e seringas descartáveis, a lavagem e a desinfecção dos equipamentos de montaria – mesmo que estes fossem utilizados em animais sadios. “Freios, barrigadas, argolas… a gente não usava nada sem ter fervido na água antes”.
O resultado dos esforços se traduz no preço cobrado atualmente pelos animais selecionados e sadios. “Eu vi, por exemplo, um cavalo de outra fazenda com quatro ou cinco anos, domado, sendo vendido por R$ 1.500, R$ 2.000. Recentemente, eu vendi um cavalo de serviço manso, castrado, sadio e com o exame em dia a R$ 4.500”, afirma o produtor. Segundo João, o controle da anemia na propriedade compensa. “Se você tem prazer de ver suas coisas organizadas, arrumadas, tem orgulho de ver sua tropa bonita e dando dinheiro, por que não fazer?”.
Genoma do vírus e diagnóstico precoce
Em uma região onde os cavalos são uma parte fundamental das atividades agrícolas e pecuárias, estudar a AIE tornou-se uma necessidade. O projeto “Anemia Infecciosa Equina no Pantanal brasileiro: caracterização do agente, diagnóstico molecular, avaliação de práticas de manejo e modelagem quantitativa” envolve diversos profissionais de aproximadamente dez instituições parceiras. Entre as áreas avaliadas estão, por exemplo, os métodos de diagnóstico da doença e o estudo do genoma do vírus encontrado no Pantanal (que difere das amostras de vírus da AIE no resto do mundo), sequenciado com sucesso pela equipe.
“O sequenciamento representará uma melhora substancial no diagnóstico. Com um bom método de diagnóstico, seguro e precoce, você pode evitar que a doença seja disseminada no plantel. No futuro, evidentemente, isso também avança para o estudo de possíveis vacinas (…). Esse tipo de iniciativa vai ajudar em eventuais tratamentos e no conhecimento da biologia do vírus, auxiliando a identificar fontes de contaminação que ainda não são conhecidas”, diz a pesquisadora Erna Kroon, da UFMG. Independentemente do trabalho realizado pela pesquisa, o combate à anemia infecciosa equina começa dentro da porteira. “Se toda fazenda se conscientizar e começar a eliminar a AIE aos poucos, um dia, a doença acaba”, finaliza João Francisco.
Nicoli Dichoff (MTb 3252/SC)
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