(*) Emanuelle Gaspar e Lenita Santos
Vacinas são produtos biológicos gerados a partir de vírus, bactérias e outros microrganismos causadores de doenças. Estes produtos podem conter os microrganismos vivos, inativados ou apenas partes destes. As vacinas têm a função de prevenir doenças pela estimulação do sistema de defesa do animal, também chamado sistema imunológico, e não devem ser confundidas com medicamentos, que são drogas (produtos químicos) usadas para tratar doenças. Enquanto medicamentos têm efeito imediato, as vacinas demoram pelo menos cerca de 15 dias para começar a fazer efeito.
Embora muitas pessoas tratem como termos semelhantes, vacinação e imunização não são sinônimos. Enquanto que vacinação refere-se ao ato de inocular a vacina, imunização diz respeito à proteção adquirida contra a doença. Uma imunização de 100% da população ou do rebanho seria, obviamente, o ideal, porém, este valor é virtualmente impossível de se alcançar. Mesmo vacinas consideradas boas têm, muitas vezes, índices de efetividade ao redor de 85 a 90%. Mas por que isso ocorre?
O sistema imunológico do animal é composto por células e órgãos que têm a habilidade de identificar e diferenciar aquilo que é estranho daquilo que é próprio ao organismo. Acontece que, assim como várias características – tais como cor de pelagem, cor dos olhos, altura, taxa de conversão alimentar – variam de indivíduo para indivíduo, a habilidade do sistema imunológico em reconhecer o que é estranho também varia individualmente.
Para que uma vacina seja eficaz, os microrganismos que a constituem, ou suas partes, têm que ser reconhecidos como estranhos e estimular o sistema de defesa a montar uma resposta adequada que vai proteger contra futuras infecções. Assim, uma mesma vacina pode ser reconhecida com eficácia (e induzir imunidade) pelo sistema imunológico da maioria dos indivíduos, mas não ser por alguns outros. Essas diferenças entre indivíduos de uma população têm origem genética e não podem ser alteradas. Porém, diversos outros fatores que influenciam negativamente a resposta à vacinação são manipuláveis e podem ser minimizados pelas boas práticas de vacinação.
Dentre os fatores não genéticos que podem influenciar na imunidade do animal, podem ser citados: idade, estado nutricional, estresse e prenhez, entre outros. Os anticorpos (principais componentes do sistema imunológico a atuar contra o estabelecimento de doenças em animais vacinados) são proteínas e, portanto, animais subnutridos ou submetidos a dietas com baixa quantidade de proteínas podem apresentar queda da imunidade. Em animais muito jovens ou idosos o sistema imunológico tende a não funcionar tão adequadamente quanto em animais adultos. O estresse, por sua vez, gera a liberação de alguns mediadores químicos que podem diminuir a imunidade. Além disso, em animais doentes, o sistema imunológico está mobilizado para combater aquela doença e, quando vacinados, não responderão à vacina de forma adequada. Já a prenhez afeta negativamente as defesas do animal, pois requer a supressão da imunidade materna, para evitar a rejeição do feto.
Porém, nem todos os fatores que colaboram para a não eficiência completa das vacinas são intrínsecos aos animais que as recebem. Fatores relativos à produção e conservação das vacinas também podem influenciar na qualidade destas e na geração de resposta imunológica adequada após a vacinação. Embora o produtor não tenha o controle sobre o processo de fabricação, ele deve ficar atento para só adquirir vacinas licenciadas pelo Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA).
Quanto à conservação das vacinas, cabe ao produtor garantir a manutenção da qualidade das mesmas. Vacinas devem ser mantidas refrigeradas (temperatura de geladeira) o tempo todo, inclusive durante o transporte e manejo, pois quando esquentam ou congelam perdem ou comprometem a eficiência. Assim, adquirir vacinas de varejistas idôneos, que garantam a manutenção das vacinas sob refrigeração, até o momento da venda, e manter sempre as vacinas na geladeira ou em caixa térmica com gelo após sua aquisição, são medidas simples que devem ser observadas. Além disso, se não agitadas adequadamente antes de serem aplicadas, alguns animais podem receber mais do “princípio ativo” da vacina (imunógeno) que o necessário e outros podem receber menos, não imunizando o rebanho de forma correta. Produtos de frascos abertos (sobras) ou vencidos não devem ser usados.
Mesmo que as vacinas não sejam capazes de proteger todos os indivíduos, ao considerarmos a população imunizada, a vacinação gera o que conhecemos como “imunidade de rebanho”, que significa que, se a maioria dos animais está protegida pela vacinação, a circulação do agente causador da doença naquela população diminui e o risco de infecção em animais sadios também. Este fenômeno é tão importante que algumas doenças, como a varíola humana e a peste bovina, já foram erradicadas em todo mundo. Para outras doenças, tais como a febre aftosa, mesmo não havendo erradicação mundial a condição de área livre da doença pode ser atingida com o uso sistemático da vacinação.
Para minimizar os riscos e aumentar a eficiência da vacinação, listamos abaixo algumas medidas simples que podem ser adotadas, tais como:
• Adquirir apenas vacinas licenciadas pelo MAPA e dentro do prazo de validade;
• Revisar as instalações de manejo antes da vacinação, para assegurar a segurança tanto das pessoas
envolvidas no processo, quanto dos animais a serem vacinados e permitir a contenção adequada durante o manejo;
• Estocar as vacinas de forma adequada (entre 2 e 8 ºC, na geladeira), inclusive durante o transporte ou no dia do manejo (em caixa térmica contendo três partes de gelo para cada parte de vacina). O frasco da vacina em uso também deve ser mantido dentro da caixa térmica, mesmo no curto intervalo de tempo entre o preenchimento das pistolas (ou seringas). Também as pistolas devem ser mantidas sobre o gelo entre uma embretada e outra, se houver líquido dentro;
• Evitar estressar os animais antes, durante e após o manejo – não manejá-los com truculência e gritaria, não deixá-los longos períodos presos, sem acesso à água e comida; disponibilizar sombra aos animais;
• Evitar vacinar animais em mau estado nutricional, como, por exemplo, durante período prolongado de seca, ou animais debilitados por outras doenças;
• Utilizar agulhas de tamanho adequado, com bom estado de conservação, limpas e desinfetadas (o que pode ser feito por fervura durante 15 minutos). Seringas ou pistolas também devem estar limpas e desinfetadas. A cada dez animais a agulha deverá ser trocada, descartando agulhas desgastadas e/ou tortas, lavando e desinfetando agulhas em condições de ser reutilizadas. Ao final do procedimento o material deve ser guardado limpo e seco;
• Usar uma agulha exclusiva para a retirada da vacina do frasco, não a usando em nenhum animal, para evitar contaminações;
• Aplicar a dose recomendada pelo fabricante, na via adequada (intramuscular ou subcutânea);
• Preferencialmente vacinar na tábua do pescoço, ou atrás da escápula, no caso das vacinas subcutâneas, evitando a aplicação na garupa. Como algumas vezes pode-se formar abcessos ou hematomas após a vacinação, deve-se evitar injeções em áreas de carnes nobres;
• Ficar atento para as vacinas que requerem mais de uma dose na primo-vacinação (primeira vez que os animais são vacinados) e observar corretamente intervalo entre uma vacinação e outra;
• Fazer revacinações anuais ou semestrais quando estas forem indicadas nas bulas dos produtos.
Embora apenas as vacinas contra febre aftosa e brucelose sejam obrigatórias para bovinos no Brasil, vale a pena definir um calendário sanitário anual que inclua outras vacinas. Este planejamento deve ser feito junto ao médico veterinário, que é o profissional indicado para identificar as doenças que ocorrem em sua região/propriedade. Embora a vacinação possa representar trabalho extra e tenha um custo, este é normalmente muito menor que as perdas ocasionadas pelas doenças, tanto com a perda de animais, quanto com a queda de produtividade e desempenho. Ainda que uma eficácia total de imunização possa ser difícil de ser alcançada, em algumas situações, com o processo de vacinação, ao adotar estas medidas simples listadas acima, o produtor maximizará o efeito da vacina aplicada no rebanho, prevenindo o aparecimento ou minimizando os impactos de doenças que podem comprometer os aspectos produtivos ou reprodutivos do rebanho.
(*) Emanuelle Baldo Gaspar, pesquisadora da Embrapa Pecuária Sul e Lenita Ramires dos Santos, pesquisadora da Embrapa Gado de Corte
Fonte: Universo Agro