Cuidado sanitário na produção de carne vai do campo até o mercado

Categoria: Geral | Publicado: terça-feira, fevereiro 16, 2016 as 09:49 | Voltar

A professora Magda Maria Melo Falcão, de Campo Grande, é assídua consumidora de carne bovina. Por semana são pelo menos dois quilos dos mais variados cortes adquiridos em açougues e supermercados da capital de Mato Grosso do Sul para o preparo de diversos tipos de pratos. Na hora da compra ela analisa principalmente o aspecto visual da peça que está adquirindo, mas nem imagina que até chegar ao ponto de venda o produto passou por dezenas de controles sanitários, que o rigor na fiscalização e tão grande que cada animal abatido é inspecionado e que este trabalho, que é referência mundial, está em constante processo de aperfeiçoamento por meio de novos estudos e pesquisas para melhorar ainda mais a qualidade do que chega a mesa do consumidor.

Professora Magda Maria Melo Falcão é assídua consumidora de carne bovina (Foto: Anderson Viegas/Do G1 MS)
Professora Magda é assídua consumidora de carne
bovina (Foto: Anderson Viegas/G1 MS)

“Minha preocupação principal é sempre com a qualidade do que estou adquirindo. Para isso, procuro comprar carne sempre em locais conhecidos. Mato Grosso do Sul é um dos grandes produtores nacionais de carne bovina. Vende o produto para diversos países. Sabemos, portanto, da qualidade da carne que é produzida aqui e de todo o cuidado com a questão sanitária que envolve sua produção e isso nos dá [ao consumidor] mais segurança de que estamos consumindo um bom produto”, avalia a professora.

Em Mato Grosso do Sul a pecuária de corte é uma das principais atividades econômicas. Em 2015, o Valor Bruto da Produção Agropecuária (VBP), um indicador da atividade calculado pelo Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), com base nos volumes de produção e preços médios, foi de R$ 8,434 bilhões, o que representou 30,33% do total do estado, que foi de R$ 27,805 bilhões.

A receita com as exportações de carne bovina atingiram, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (Mdic) US$ 497,321 milhões, para um volume embarcado de 121,787 mil toneladas. Foram abatidas 3,2 milhões de cabeças. Em 2014, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontou que o rebanho sul-mato-grossense era o quarto maior do país, com 21 milhões de animais.

Infográfico sobre a importância da pecuária bovina para a economia de Mato Grosso do Sul (Foto: Anderson Viegas/Do G1 MS)

Confirmam essa importância para a economia do estado, dados da Secretaria Estadual de Meio Ambiente e Desenvolvimento Econômico (Semade) que indicam que em 2013, a pecuária de corte, a avicultura e a suinocultura, representaram 5,17% do Produto Interno Bruto (PIB) de Mato Grosso do Sul.

Da porteira para dentro
O controle sanitário da carne começa, segundo o médico-veterinário da Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Sistema Famasul), Horácio Tinoco, antes mesmo do animal que dará origem ao produto ser gerado.

  “Primeiro, o criador tem que escolher a matriz e o reprodutor, além de o sistema de reprodução. Se será por monta ou inseminação. A vaca precisa ter algumas características, como ter habilidade materna, boas condições para parir e o peito não pode ser muito grande, o que pode dificultar ou até impedir que o bezerro mame. Depois, ele tem de fazer um exame reprodutivo nessa matriz, antes dela ser emprenhada. O objetivo é verificar se ela tem algum problema no útero ou no ovário e se tem alguma doença”, explica. Veja mais no vídeo ao lado!

Com a matriz aprovada para a reprodução, o animal, conforme o veterinário da Famasul, é vermifugado, vacinado (seguindo os calendários oficiais, contra doenças como a febre aftosa e a  brucelose, e também em decorrência de necessidades específicas de cada região, como a imunização contra raiva, por exemplo), além de ser feito o controle de ectoparasitas, como o carrapato e a mosca-do-chifre.

Tinoco comenta que se o sistema de reprodução escolhido for a monta, em Mato Grosso do Sul a estação é realizada normalmente entre outubro e março, período de maior volume de chuvas, quando aumenta a qualidade das pastagens, o que representa maior volume de alimento para os animais, o que também é importante para a sanidade, pois melhora a resistência dos bovinos.

“Depois de 45 a 60 dias da monta ou da inseminação é feita a confirmação ou não da prenhez. Isso é feito com o uso de um ultrassom ou por palpação, por um médico-veterinário. A partir do exame é feita então a separação das fêmeas. As vazias vão para e engorda e depois abate e as prenhas para pastos destinados a elas. À medida que a gestação avança, elas vão sendo transferidas para pastagens mais próximas até chegar ao chamado 'pasto de maternidade', que deve ser um lugar limpo, não pode ter grotas e nem buracos e tem que ser próximo a sede da propriedade, para facilitar o monitoramento e manejo”, explica.

Quando o bezerro nasce, Tinoco destaca que o produtor tem que estar atento a algumas medidas sanitárias que são fundamentais para assegurar as boas condições de saúde do animal. “Primeiro, quem está monitorando, tem que fazer o bezerro mamar o colostro nas primeiras 12 horas de vida. O colostro é uma espécie de vacina natural e vai assegurar maior quantidade de anticorpos, para que esse animal recém-nascido seja mais saudável. Depois tem que curar o umbigo dele, com uma solução com álcool e iodo. Isso vai fazer com que o umbigo não seja a porta de entrada de bactérias que possam provocar um abscesso hepático, que afeta os músculos”, explica.

Outro aspecto que o criador tem que estar atento, alerta o veterinário da Famasul, é quanto ao cuidado da vaca com seu bezerro. “Ele tem que monitorar se a vaca vai lamber o bezerro para limpá-lo. Isso é fundamental porque estimula o sistema circulatório dele e também evita que predadores sejam atraídos para o local e possam mutilar ou até mesmo matar o animal recém-nascido. Um gavião, por exemplo, pode comer o olho ou até mesmo o genital de um bezerro”, aponta.

Do nascimento até a desmama em um ciclo convencional, quando o animal está com idade entre 7 e 8 meses, ele aponta que os criadores devem vacinar os bezerros contra clostridioses (doenças causadas por bactérias do gênero Clostridium), contra brucelose (no caso das fêmeas, de 3 a 8 meses), contra a febre aftosa, conforme o calendário estadual, e eventualmente contra outras doenças, como a raiva, dependendo do surto ou obrigatoriedade da região. Devem ainda fazer a vermifugação e o controle de ectoparasitas.

Produtor deve adotar uma série de cuidados para assegurar a sanidade do seu rebanho (Foto: Arquivo Pessoal/Nedson Pereira)Produtor deve adotar uma série de cuidados para assegurar a sanidade do seu rebanho (Foto: Arquivo Pessoal/Nedson Pereira)

A partir da desmama, na recria e engorda, dos 8 aos 18 meses, mesmo com o animal já mais resistente, o manejo sanitário, conforme Tinoco, segue o mesmo, com a aplicação de vacinas contra clostridioses, contra aftosa e outras recomendadas pelo médico-veterinário que acompanha a propriedade, além da vermifugação e controle dos parasitas externos. “Na terminação, que vai dos 18 aos 36 meses (dependendo do sistema de produção da propriedade), os procedimentos sanitários são praticamente os mesmos. O produtor, entretanto, redobra seus cuidados para atender os prazos de carência [período necessário para que os produtos utilizados sejam eliminados do organismo] previstos para cada tipo de produto em relação aos animais que estão prestes a serem encaminhados para o abate”.

O criador Nedson Rodrigues Pereira que dirige a fazenda Cachoeirão, em Bandeirantes, a cerca de 115 quilômetros de Campo Grande, especializada na produção de animais precoces e superprecoces, destaca que o cuidado sanitário com o rebanho é fundamental para o sucesso da atividade. Os precoces vão para abate com idades entre 23 e 24 meses e peso médio de 21,3 arrobas (para machos) e os superprecoces são abatidos com 14 meses de idade e peso médio de 18 arrobas (machos) e 13,5 arrobas (fêmeas).

Médico-veterinário de formação, o criador diz que elaborou um calendário sanitário próprio que é seguido à risca na propriedade. Além dos procedimentos citados por Horácio Tinoco, da Famasul, Pereira acrescentou na lista de vacinas obrigatórias na fazenda Cachoeirão a que previne o botulismo nos animais, em razão de uma necessidade da região onde está localizada a propriedade. Veja mais no vídeo acima!

Com um rebanho de aproximadamente 6 mil animais e encaminhando cerca de 2 mil cabeças por ano para o abate, sempre de animais precoces e superprecoces, que têm valor diferenciado no mercado, o criador ressalta que o investimento em sanidade é uma prioridade. “Às vezes o investimento em sanidade é marginalizado. O produtor quer economizar um pouquinho e acaba tendo um prejuízo enorme lá na frente. Não compensa. O custo total nessa área, somando todos os produtos que são utilizados fica entre 3% e 5% do total da atividade, o que é muito pouco diante de outras despesas que se tem, como suplemento, sal mineral e mão de obra”, comenta.

A gestora do Departamento de Economia da Famasul, Adriana Mascarenhas, corrobora com o produtor. Ela aponta que levantamento realizado pela entidade em parceria com o Centro de Pesquisas Econômicas da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Cepea/Esalq), indica que medicamentos e vacinas correspondem somente a 5% do valor do total do custo efetivo da atividade.

Gestora do Departamento de Economia do Sistema Famasul, Adriana Mascarenhas (Foto: Anderson Viegas/Do G1 MS)
Adriana Mascarenhas, da Famasul
(Foto: Anderson Viegas/G1 MS)

“O criador está cada vez mais consciente e não vai deixar de aplicar uma vacina ou um medicamento em seu rebanho por conta do custo. Uma dose de vacina contra a febre aftosa, por exemplo, varia em Mato Grosso do Sul entre R$ 1,30 e R$ 1,50. Outros fatores impactam bem mais na atividade que o investimento em sanidade. A suplementação mineral, por exemplo, representa 18,20% do custo total, a mão de obra 18% e a compra de animais, no caso de produtores que fazem a recria e a engorda, equivale a 32%”, comenta.

Segundo a vice-diretora presidente da Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal (Iagro), Marina Hojaij Carvalho Dobashi, no caso, por exemplo, da aftosa, o valor da multa que o criador vai pagar por não imunizar seu rebanho é bem maior do que o custo da dose da vacina. São 3 unidades fiscais estaduais de referência de Mato Grosso do Sul (Uferms), o equivalente a R$ 68,70 na cotação de fevereiro do indexador que é de R$ 22,90 para cada unidade, pela não imunização e ainda mais uma 1 Uferms por não comunicar a autarquia, o que representa um custo total de R$ 91,60, ou seja, 61 vezes mais que o valor da dose da vacina.

“Quando um produtor deixa de vacinar seu animal, deixa de ter o cuidado sanitário adequado, ele não vai estar colocando em risco somente esse animal, somente o seu rebanho, vai estar colocando em risco a sanidade de todo o rebanho do estado. Um exemplo disso foi o caso do foco de aftosa descoberto em 2005 em Mato Grosso do Sul. O prejuízo estimado em razão desse foco é US$ 30 bilhões e os produtores da região de fronteira onde foi descoberto esse foco ainda sentem isso. Antes, o estado tinha apenas duas regiões de sanidade pecuária, Pantanal e Planalto, depois passou a ter três, com a inclusão da Fronteira. E essa região, que tem atualmente um rebanho de aproximadamente 700 mil animais, ainda sofre com algumas restrições para exportar para alguns mercados”, explica ela, adiantando que um dos objetivos da agência a médio prazo é restabelecer apenas as duas regiões.

Marina, entretanto, reafirma que o pecuarista do estado está muito mais consciente da importância do cuidado sanitário com seu rebanho. Uma prova disso é que na segunda etapa da campanha de vacinação contra a febre aftosa realizada entre outubro e novembro de 2015 o estado obteve o terceiro melhor índice de cobertura no país, com 99,53% do rebanho bovino e bubalino, ficando atrás somente de Mato Grosso, com 99,59% e de Goiás, com 99,77% e acima da média nacional que foi de 98,17%.

Além da conscientização do produtor, Marina aponta que esse resultado é fruto do trabalho em parceria desenvolvido por todos os órgãos estaduais e federais que atuam na área de sanidade na pecuária de corte, como a secretaria estadual de Produção e Agricultura Familiar (Sepaf), a própria Iagro, a Agência Estadual de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural (Agraer) e o Mapa, por meio da Superintendência Federal de Agricultura e Pecuária (SFA) no estado.

Para demonstrar a capilaridade do sistema sanitário agropecuário do estado, ela cita que a Iagro tem escritórios em todos os 79 municípios sul-mato-grossenses e que essas unidades atuam desde a emissão de documentos até a fiscalização das condições sanitárias de rebanho. Nas áreas de fronteira do estado com o Paraguai e a Bolívia é desenvolvido um trabalho redobrado de monitoramento, com 15 postos fixos e vários móveis, para impedir a entrada irregular de animais, principalmente bovinos, destes dois países.

A vice-diretora presidente explica que neste trabalho de fiscalização das fronteiras, a Iagro atua também em conjunto com órgãos de segurança do estado, como as políticas Militar, Civil e o Departamento de Operações de Fronteira e com instituições federais, como o Exército e a Polícia Federal (PF). Esse monitoramento deverá ser ainda mais minucioso com o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron). O projeto piloto está em fase de testes em Mato Grosso do Sul desde 2014. O sistema é composto por radares, veículos, computadores e sistemas de comunicação de última geração e visa proteger a fronteira do narcotráfico e contrabando, de armas e animais, entre outros delitos.

Atuando em parceria com a Iagro, o Mapa desenvolve uma série de programas na área de sanidade animal em Mato Grosso do Sul. Segundo o chefe do Serviço de Saúde Animal da Superintendência Federal de Agricultura no estado (SSA/SFA/MS), Elvio Patatt Cazola, por meio de convênios, o órgão federal assegura apoio técnico e recursos a agência estadual, que por sua vez, executa as ações dos programas e depois presta contas do trabalho. “É uma responsabilidade compartilhada, desde a execução dos programas até a definição, por exemplo, de eventuais alterações em calendários de vacinação”, explica.

Elvio Patatt Cazola, chefe do Serviço de Saúde Animal da SFA/MS (Foto: Anderson Viegas/Do G1 MS)Elvio Patatt Cazola, chefe do Serviço de Saúde Animal da SFA/MS (Foto: Anderson Viegas/Do G1 MS)

Especificamente voltados a pecuária estão entre essas iniciativas: o Programa Nacional de Erradicação e Prevenção da Febre Aftosa (Pnefa), o Programa Nacional de Controle e Erradicação da Brucelose Tuberculose (Pncebt), o Programa Nacional de Controle da Raiva dos Herbívoros (Pncrh) e o Programa de Prevenção da Encefalopatia Espongiforme (mal da vaca louca), entre outros.

Em um período de 15 anos, entre 2000 e 2015, o Mapa, repassou, conforme a SFA/MS, R$ 97,963 milhões a Mato Grosso do Sul para a execução de programas na área de sanidade animal, voltados a criação de bovinos, suínos, aves, caprinos, ovinos, equinos e abelhas.

Transporte dos animais
Concluída a terminação dos bovinos nas propriedades, os animais têm de ser transportados para abatedouros e frigoríficos. Esse deslocamento tem de ser feito levando em consideração vários cuidados e cumprindo uma série de procedimentos, visando assegurar não somente as boas condições sanitárias, mas também o bem-estar animal.

Para auxiliar produtores e frigoríficos, o Mapa elaborou, inclusive, um Manual de Boas Práticas de Manejo para o transporte, já que animais transportados de maneira inadequada podem sofrer ferimentos e excesso de estresse que podem afetar desde a qualidade da carne até acarretar a morte destes bovinos antes mesmo que cheguem ao local do destino. Para conferir a íntegra do manual clique aqui!

O manual aponta que o primeiro passo dessa importante etapa é o planejamento da atividade. Os produtores precisam definir previamente quais animais serão transportados, levando em conta que podem ser encaminhados para o abate somente os que estiverem em ótimas condições físicas e sem problemas de saúde, o tipo de veículo que será utilizado, a quantidade de veículos que será necessária, rotas, datas e horários previstos para o embarque e desembarque.

Além dos documentos básicos, do motorista e do veículo, para o transporte de bovinos são também necessários os documentos dos animais, como as Guias de Trânsito de Animal (GTAs), as notas fiscais do produtor (NFPs), com informações sobre a origem e o destino dos animais, e, em alguns casos, os documentos de identificação animal. A GTA é o documento oficial para transporte de animais no país. Contém as informações sobre o destino e condições sanitárias, bem como a finalidade do transporte.

As transportadoras e os motoristas que vão fazer o transporte devem manter os veículos em boas condições e ter conhecimentos sobre a situação das estradas. O piso do compartimento de carga dos caminhões, por exemplo, deve ser coberto com um tapete de borracha e sobre o tapete deve ser instalada uma grade de ferro quadriculada. Essas estruturas têm como função proporcionar conforto e segurança para os animais, diminuindo os efeitos negativos da trepidação e os riscos de escorregões e quedas. Os motoristas têm de ser treinados em boas práticas de manejo no transporte e estarem atentos a todas as informações sobre a viagem.

Segundo o manual, é importante definir pontos estratégicos para paradas de emergência. Por isso, o motorista deve dispor de informações sobre fazendas ou outros locais de parada que ofereçam condições para o desenvolvimento de ações efetivas a fim de solucionar os problemas.

O Mapa aponta no texto que animais gravemente feridos, moribundos ou mortos devem ser retirados do compartimento de carga logo após a constatação do problema. Esta recomendação tem como objetivos aliviar o sofrimento dos animais com problemas e evitar situações de risco para os outros animais, em particular de quedas e pisoteio.

Nestas situações, o ministério orienta que os motoristas devem informar os responsáveis pelos animais, os produtores e frigoríficos, e com a ajuda deles procurar um local adequado para o desembarque dos animais com problemas ou mortos. Nestes locais devem haver profissionais habilitados e com os equipamentos adequados para realizar os procedimentos de abate de emergência, imediatamente após a chegada do veículo.

Segundo o manual, quando isso não for possível o motorista do veículo utilizado no transporte deve seguir viagem até o destino, onde os procedimentos de emergência serão executados.  O monitoramento do transporte no estado é feito pela Iagro. Por meio do banco de dados da entidade, o Saniagro, é possível emitir documentos como a GTA e a Nota Fiscal do produtor (NFP) diretamente na propriedade de origem.

No frigorífico
A partir do momento que os animais chegam ao frigorífico, todo procedimento passa a ser acompanhado por dois serviços de controle, um da própria empresa, executado por um ou mais veterinários e uma equipe, e no caso dos estabelecimentos que vendem para outros estados e países, pelo Serviço de Inspeção Federal (SIF). Os abatedouros que comercializam produtos apenas em âmbito estadual contam com inspeção estadual em vez do SIF e, por sua vez, os que processam carne para o mercado local, com inspeção municipal.

José Nilton Botelho, chefe do Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal em Mato Grosso do Sul (Foto: Anderson Viegas/Do G1 MS)José Nilton Botelho, chefe do Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal em Mato Grosso do Sul (Foto: Anderson Viegas/G1 MS)

Conforme o chefe do Serviço de Inspeção de Produtos de Origem Animal em Mato Grosso do Sul (Sipoa), José Nilton Botelho, cada frigorífico que conta com fiscalização no âmbito federal dispõe de um fiscal federal agropecuário (FFA) médico-veterinário, e uma equipe de agentes de inspeção treinada pelo SIF.

Segundo ele, o estado possui atualmente 23 frigoríficos de abate de bovinos em operação com o SIF. O trabalho desenvolvido na inspeção federal tem tanta credibilidade, que o estado foi escolhido pelo Mapa para ser o local de gravação do material institucional sobre os 100 anos do SIF no país, mostrando a atuação dos fiscais agropecuários em unidades de abates não somente de bovinos, como também de suínos, caprinos, ovinos, aves e peixes.

Uma das unidades que conta com o SIF em Mato Grosso do Sul é o frigorífico Naturafrig, no município de Rochedo, a 52 quilômetros de Campo Grande. A unidade tem sete anos de operação, 500 colaboradores e abate em média 450 cabeças/dia de segunda a sexta-feira. Além de animais convencionais, abate também o novilho precoce e o boi orgânico criados no Pantanal sul-mato-grossense. Da sua produção, 80% é voltada para o mercado interno e 20% para a exportação, destinando carne a mercados como, por exemplo, o de Hong Kong.

Gilberto Francisco da Silva Júnior e Álvaro de Souza Pereira, do SIF, e Luiz Antônio Almeida Barbosa, do Naturafrig (Foto: Anderson Viegas/Do G1 MS)Gilberto Francisco da Silva Júnior e Álvaro de Souza Pereira, do SIF, e Luiz Antônio Almeida Barbosa, do Naturafrig (Foto: Anderson Viegas/G1 MS)

Na unidade, o chefe da inspeção federal é o médico-veterinário Gilberto Francisco da Silva Júnior, que tem uma equipe de 18 auxiliares de inspeção cedidos pela empresa. Entretanto, na liberação de lotes para a exportação, o trabalho ganha o reforço do também veterinário, Álvaro de Souza Pereira, um profissional com 50 anos de trabalho na inspeção federal. Já o controle realizado pela empresa é responsabilidade do veterinário Luiz Antônio Almeida Barbosa. Ele é o responsável técnico pelo frigorífico e gerente de qualidade da empresa.

Segundo o chefe da fiscalização no Naturafrig, a exemplo do que ocorre em outras unidades que possuem o SIF, o trabalho da inspeção começa com a chegada dos animais ao frigorífico. Ele confere a documentação sanitária dos bovinos, a GTA, e também faz uma checagem visual, a avaliação “ante-mortem”, visando identificar animais que estejam com comportamento suspeito ou que tenham se machucado durante o deslocamento da fazenda ao frigorífico.

Se identificado algum animal nessa situação, ele é colocado em um curral de observação, onde o médico-veterinário do SIF fara uma inspeção mais detalhada. Caso a vistoria aponte que a situação do animal é grave, tendo ele sofrido, por exemplo uma fratura ou se está doente, é feito o abate de emergência ou o corpo do animal é encaminhado para uma sala de necropsia. Depois dos exames realizados, o corpo é cremado.

Em relação aos animais que foram aprovados no “ante-mortem” eles são colocados em uma dieta hídrica, ou seja, só recebem água, e ficam em um período de descanso em currais que comportam, no caso da unidade de Rochedo, de 25 a 50 cabeças cada. Os períodos de descanso variam de 12 horas a 24 horas, dependendo da distância e das condições das estradas percorridas.

Após esse prazo são encaminhados por uma equipe de colaboradores do frigorífico, que receberam treinamento em bem-estar animal, para o chamado corredor de abate. Em grupos pequenos, já no corredor, recebe um banho de aspersão de água clorada, com pressão de 3 atmosferas (3 ATMs), para garantir jatos em forma de ducha. Esse banho retira impurezas mais grosseiras do couro dos animais.

Bovinos já no corredor de abate do frigorífico Naturafrig em Rochedo (Foto: Anderson Viegas/Do G1 MS)Bovinos já no corredor de abate do frigorífico Naturafrig em Rochedo (Foto: Anderson Viegas/G1 MS)

Em seguida, são encaminhados individualmente ao chamado box de atordoamento, onde são insensibilizados por uma pistola pneumática através de um único disparo na cabeça do animal. Após a insensibilização, o animal é encaminhado imediatamente para a chamada praia de vômito, onde são guinchados e encaminhados imediatamente para a calha de sangria onde serão sangrados através de cortes dos grandes vasos do pescoço. Ali permanece por no mínimo 3 minutos.

Após a morte do animal são retirados o couro, as vísceras e a cabeça do animal. A carcaça é dividida em duas partes. Após a serragem da carcaça a equipe do SIF faz uma inspeção individual em cada animal abatido. São inspecionados simultaneamente: meias-carcaças, cabeça e vísceras. As técnicas de inspeção são baseadas em palpação, visualização e cortes técnicos.

Carcaça de bovino já com carimbo do SIF (Foto: Anderson Viegas/Do G1 MS)Carcaça de bovino já com carimbo do SIF (Foto: Anderson Viegas/G1 MS)

Se for liberada, a meia-carcaça recebe quatro carimbos do SIF e seguem para lavagem também com água clorada, e em seguida é encaminhada para a câmara de resfriamento, onde ficará por 24 horas ou até atingir 7° C ou mais frio e depois seguem para câmara de maturação com temperatura controlada de aproximadamente 2°C por mais 24 horas. O objetivo da câmara de maturação, conforme Pereira, é a transformação de “músculo” em “carne” e assegurar maior durabilidade do produto.

Entretanto, se na inspeção “post-mortem” forem encontradas lesões ou alterações, as meias-carcaças e vísceras correspondentes são desviadas da linha de produção e encaminhadas para o Departamento de Inspeção Final (DIF), para reexame detalhado pelo fiscal federal agropecuário.

Um dos principais motivos de sequestro das carcaças é a presença de cistos de cisticercose bovina. Nestes casos, por exemplo, o inspetor veterinário pode destinar a carcaça ao tratamento condicional, em caso de um único cisto viável ou condenação total, em caso de infestações generalizadas.

Após o período de maturação, a carne passa por reinspeção na expedição das meias-carcaças ou na entrada do setor de desossa. Na sala de desossa climatizada as meias-carcaças são desossadas, refiladas e embaladas a vácuo e seguem para a estocagem onde aguardam a expedição.

Sala de desossa do frigorífico é climatizada para assegurar qualidade e sanidade da carne (Foto: Anderson Viegas/Do G1 MS)Sala de desossa do frigorífico é climatizada para assegurar qualidade e sanidade da carne (Foto: Anderson Viegas/G1 MS)

Em todo o processo o SIF local verifica as condições das instalações e equipamentos envolvidos, métodos de produção e outros fatores envolvidos para garantir a segurança dos produtos.

Na expedição, o SIF local realiza ainda uma verificação do contêiner ou baú de transporte. A temperatura ideal de conservação dos produtos resfriados é 4° C e produtos congelados – 18°C. Após o carregamento, a carga é lacrada e o SIF local emite a certificação sanitária dos produtos.

Conforme o FFA que atua na vistoria de carne para a exportação no Naturafrig, esse trabalho sanitário assegura que 100% dos animais abatidos sejam vistoriados e que todos os procedimentos executados dentro dos frigoríficos com inspeção federal são feitos com base em normas e padrões determinados pelo Mapa e seguidos a risca pelas unidades de abate. “Não é à toa que o SIF é uma referência mundial em sanidade. Em nenhum outro lugar, até mesmo em alguns países desenvolvidos, se vê um controle tão rígido e tão efetivo da produção”, destaca.

Sistema de Inspeção Federal faz rigido controle da qualidade da carne no frigorífico (Foto: Anderson Viegas/Do G1 MS)Sistema de Inspeção Federal faz rígido controle da qualidade da carne no frigorífico (Foto: Anderson Viegas/G1 MS)

O chefe do Sipoa confirma a avaliação do fiscal federal agropecuário. “Nossa maior satisfação é sabermos que estamos contribuindo para assegurar a segurança alimentar da nossa população. Sabermos que ela está consumindo um produto de qualidade. Já imaginou, se um animal com uma zoonose, como a tuberculose, por exemplo, é abatido e se essa carne chega ao consumidor. São mais de 200 quilos de carne. Imagina quantas pessoas seriam prejudicadas. Graças ao SIF isso não acontece. O SIF pelo trabalho que faz é referência mundial e tem credibilidade em âmbito nacional e internacional”, destaca.

No ponto de venda
O cuidado que o produtor rural tem com o animal e que o frigorífico tem para abater o bovino e processar a carne tem de ser mantido no ponto de venda do produto ao consumidor. Um bom exemplo desse trabalho é o desenvolvido no supermercado Gaúcho, no bairro Coronel Antonino, em Campo Grande. O estabelecimento trabalha com carne fresca e compra de 2 a 8 carcaças por dia.

César Gaedick, gerente do supermercado Gaúcho, em Camop Grande (Foto: Anderson Viegas/Do G1 MS)César Gaedick, gerente do supermercado Gaúcho, em Campo Grande (Foto: Anderson Viegas/G1 MS)

“Recebemos carne todos os dias. Compramos a meia-carcaça, que chega do fornecedor e vai direto para a câmara fria, onde os nossos açougueiros fazem a desossa. O produto é conservado a temperatura de 6°C a 8°C e fica no máximo dois dias. Se percebemos que vai passar disso, fazemos uma promoção para que seja vendido logo. O objetivo é sempre comercializar um produto de boa qualidade para o nosso consumidor”, explica o gerente do estabelecimento, Cesar Gaedick.

Pesquisa e ações para melhorar ainda mais o controle sanitário
Apesar do bom controle sanitário já realizado no país, instituições de pesquisa como a Embrapa Gado de Corte, que tem sede em Campo Grande, desenvolvem uma série de estudos para aprimorar ainda mais esse trabalho.

O chefe da unidade, Cleber Oliveira Soares, destaca que o assunto foi um dos mais discutidos no Seminário Internacional Conesul – Fonte Estratégica de Alimentos para a Humanidade, promovido em setembro do ano passado em Brasília.

“A FAO [Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura] republicou os desafios do milênio e apontou que até 2050 não vão ser 9,2 bilhões de habitantes no planeta, vão ser 9,7 bilhões e apontou que o Conesul, formado por Brasil, Uruguai, Paraguai e Argentina, vai ter que responder por 60% da demanda por alimentos. Nesse contexto, em que a demanda vai ser cada vez maior, debatemos se as barreiras sanitárias poderão ser uma barreira ao comércio global de alimentos por esses países”, explica.

“A conclusão que chegamos é que ela já é uma barreira. Hoje em dia não se precisa de uma confirmação sobre uma doença animal, basta um boato, para que uma compra de alimentos seja suspensa. A tendência é que as barreiras não alfandegarias sejam cada vez mais fortes, porque o consumidor está cada vez mais exigente. Não apenas quanto as qualidades intrínsecas do produto. No caso da carne, a maciez e o marmoreio. Ele quer mais, quer segurança em relação aos aspectos sanitários do que está consumindo e, por isso, cresce em importância o trabalho de prevenção sanitária”, comenta.

Chefe-geral da Embrapa Gado de Corte alerta que barreiras sanitárias podem impedir comércio global de alimentos, como a carne (Foto: Anderson Viegas/Do G1 MS)Chefe-geral da Embrapa Gado de Corte alerta que barreiras sanitárias podem impedir comércio global de alimentos, como a carne (Foto: Anderson Viegas/G1 MS)

Soares comenta que com a atual diversidade de doenças e dos prejuízos e desdobramentos que elas podem causar que o melhor caminho científico em relação a elas é trabalhar para prevení-las e controlá-las. “Devemos ser capazes de prever que ela vai acontecer, prevenir que vai acontecer e controlá-la para que não se espalhe, caso ocorra. Para prever, devemos investir esforços de pesquisa em análises de risco, avaliar os possíveis impactos para a cadeia produtiva da carne. Para prevenir, precisamos investir em pesquisa de vacinas mais eficientes e em sistemas produtivos (métodos de criação) mais saudáveis e sustentáveis. O controle se fará primeiro com o desenvolvimento de métodos de diagnóstico mais eficazes e com a descoberta de novas moléculas que ataquem o agente da doença”, conclui.

Pesquisador da Embrapa Gado de Corte, Flábio Araújo, desenvolveu teste para diagnóstico da tuberculose (Foto: Dalizia Aguiar/Embrapa Gado de Corte)
Pesquisador da Embrapa Gado de Corte, Flábio
Araújo (Foto: Dalizia Aguiar/Embrapa Gado de Corte)

A Embrapa Gado de Corte é um dos polos de pesquisa em sanidade para o rebanho bovino no país. Está vinculado a entidade, o pesquisador Flábio Araújo, que é o coordenador do portfólio de Defesa Sanitária Animal da Embrapa em âmbito nacional. No país, conforme ele, foram desenvolvidos nos últimos anos pela entidade 137 projetos nessa área, sendo que 31 estão em execução plena.

Uma dessas pesquisas é a que foi desenvolvida por cinco anos por ele e que levou a criação de um teste sorológico para diagnóstico da tuberculose bovina. O método detecta a presença de anticorpos contra o bacilo da tuberculose nos animais, aumentando a cobertura diagnóstica quando usado em conjunto com o teste intradérmico, atualmente o único teste oficial para a tuberculose bovina no país.

Teste sorologico para diagnóstico da tuberculose (Foto: Dalizia Aguiar/Embrapa Gado de Corte)Teste sorológico para diagnóstico da tuberculose (Foto: Dalizia Aguiar/Embrapa Gado de Corte)

O pesquisador comentou que o uso do teste sorológico em conjunto com o intradérmico pode resolver os problemas relacionados ao diagnóstico da tuberculose bovina, como os resultados inconclusivos e a ausência de detecção de animais em estágios avançados da infecção. Durante as pesquisas, foi possível detectar com o teste, corretamente, 88,7% dos animais doentes e 94,6% dos animais sadios.

A tecnologia chamou a atenção de um laboratório dos Estados Unidos que estuda produzir e comercializar o produto no país e também no Brasil, Chile, México e Uganda.

Outra pesquisa desenvolvida na área de sanidade na Embrapa Gado de Corte é a do pesquisador Renato Andreotti, doutor em biologia molecular. Desde 2000 ele trabalho em estudos sobre o  carrapato. O trabalho mais recente é o do genoma funcional do carrapato-do-boi. “É um conhecimento estratégico sobre os genes funcionais da espécie de carrapato Rhipicephalus microplus (carrapato-do-boi) e de suas rotas metabólicas. Essas informações são fundamentais para desenvolvermos tecnologia com base na vacinologia reversa para procurar antígenos para uma vacina contra essa espécie de carrapato”, explica.

Andreotti diz que as pesquisas já levaram ao desenvolvimento de uma vacina recombinante contra o carrapato-do-boi com efeito parcial em torno de 72%. “Colocar uma tecnologia no mercado depende do interesse de outros setores em conversar e aceitar o que a Embrapa propõe. Mas isso é uma questão gerencial. Mas do ponto de vista tecnológico pode estar disponível de imediato. O custo de uma dose depende da escala de produção, mas podemos falar em valores em torno de R$ 1”, diz.

Renato Andreotti, pesquisador da Embrapa Gado de Corte, que estuda os carrapatos (Foto: Dalizia Aguiar/Embrapa Gado de Corte)Renato Andreotti, pesquisador da Embrapa Gado de Corte, que estuda os carrapatos (Foto: Dalizia Aguiar/Embrapa Gado de Corte)

Ele aponta que a vacina oferece uma série de vantagens em relação aos métodos convencionais de combate ao carrapato. “A vacina é importante considerando que o controle por meio de produtos químicos está em crise devido ao desenvolvimento de resistências por parte dos carrapatos. Usar a vacina, mesmo que associado ao controle químico reduz a contaminação do ambiente, dos produtos de origem animal e do trabalhador”, avalia.

O pesquisador destaca também que o carrapato é um ectoparasita que causa grandes prejuízos a cadeia produtiva do setor. “As perdas são em torno de US$ 3,2 bilhões anualmente. O carrapato causa dor ao picar, irritação no animal, dor e perda de sangue. Além disso, transmite a tristeza parasitária bovina, levando a perda de peso, redução na produção de leite e carne e causa ainda lesões no couro do animal”, ressalta.

Andreotti aponta ainda que no caso dos produtos usados para controlar o carrapato e de outros que são utilizados na pecuária de corte que é fundamental que o criador respeite o período de carência para que esses componentes sejam eliminados do organismo dos animais antes que eles sejam encaminhados para o abate.  “Cada produto químico apresenta um período de carência e deve ser utilizado em uma determinada categoria de animais. Se isso não acontece, com certeza vamos ter problemas de contaminação”, orienta.

Paulo Cançado, pesquisador da Embrapa Gado de Corte que estuda a mosca-dos-estábulos (Foto: João Costa/Embrapa Gado de Corte)
Paulo Cançado, pesquisador da Embrapa Gado de
Corte (Foto: João Costa/Embrapa Gado de Corte)

Outra pesquisa realizada na entidade é sobre a mosca-dos-estábulos (Stomoxys calcitrans), praga que tem atingindo alguns polos de pecuária em Mato Grosso do Sul, causando prejuízos aos produtores.  O estudo vem sendo realizado pelo pesquisador Paulo Cançado.

A mosca-dos-estábulos, conforme ele, é um inseto hematófago, ou seja, que se alimenta do sangue de outros animais e que é encontrada em todo o continente americano. Para se reproduzir precisa de um local que tenha matéria vegetal em decomposição e possui um ciclo biológico de três a quatro semanas, entre a postagem dos ovos até se tornar adulta e uma vez adulta tem um período de vida de até um mês.

Cada mosca, conforme o pesquisador pode botar pelo menos 500 ovos ou mais e pode voar até 20 quilômetros. Costuma atacar vários tipos de animais, como bovinos, equinos, aves e cães, entre outros, e até o ser humano para se alimentar. É encontrada em maior quantidade próxima aos locais de reprodução e quando não está picando os animais fica em árvores, troncos ou qualquer lugar que ofereça abrigo ao calor, como postes, cercas e cochos.

Nos ataques a bovinos, podem provocar, de acordo com Cançado, prejuízos de até 20% para os animais de corte e de 20% a 50% para os de leite. Esse prejuízo, explica ele, ocorre principalmente porque, incomodados com as picadas do inseto, os bovinos começam a se deslocar pela pastagem, deixando de se alimentar.

Infestação de mosca-dos-estábulos em cocho de alimentação de bovinos (Foto: Dalizia Aguiar/Embrapa Gado de Corte)Infestação de mosca-dos-estábulos em cocho de alimentação de bovinos (Foto: Dalizia Aguiar/Embrapa Gado de Corte)

Nas situações de infestações mais severas da mosca-dos-estábulos, ele explica que os animais, para se proteger, ficam agrupados, o que acaba oferecendo risco dos mais jovens (bezerros), serem pisoteados.

Cançado diz que desde 2009 a Embrapa Gado de Corte já vem executando algumas ações em relação a mosca-dos-estábulos, mas que foi a partir de 2011 que iniciou os estudos sobre o inseto. O primeiro projeto já foi encerrado e identificou o desenvolvimento da mosca no ambiente, os motivos dos surtos e em quais meses eles ocorriam.

“A partir desse trabalho podem ser desenvolvidos duas estratégias. Uma para criar novos produtos e práticas para solucionar o problema, outra, é estudar o efeito dos produtos e práticas que já exitem  no combate a essa praga. Essa segunda estratégia é bem mais rápida, já que somente para desenvolver um inseticida são pelo menos dez anos de pesquisa”, explica o pesquisador.

Na nova etapa do trabalho, Cançado diz que serão desenvolvidos pela Embrapa Gado de Corte sete projetos, que vão ser implementados em um período de cinco anos. As pesquisas vão desde testes com inseticidas para animais e na cultura da cana, monitoramento da amostra e controle biológico. Uma das pesquisas já iniciadas nesta leva é a que vai monitorar nas propriedades atingidas por surtos destas moscas, das doenças que elas podem provocar e se as mortes de animais estariam relacionados ao ataque destes insetos.

Ele aponta que a situação atualmente em Mato Grosso do Sul é preocupante, porque o estado está inserido em uma espécie de losango, que compreende ainda parte dos territórios de São Paulo e de Goiás, onde um grupo de 30 a 40 municípios registraram surtos da doença.

“A situação ainda é preocupante. Já conhecemos mais a mosca. Temos alguns mecanismos que minimizam o problema e, é até possível controlar a mosca, mas, que para isso ocorra é necessário prevenção”, destaca.

O trabalho de prevenção, conforme o pesquisador, envolve algumas ações que têm de ser adotadas pelos produtores rurais e pelas usinas sucroenergéticas, já que a mosca pode sair das propriedades rurais e utilizar a palha que sobra do corte da cana e que foi fertirrigada com vinhaça como local de reprodução.

No caso dos produtores, ele comenta que as ações têm de ser executadas no período da entressafra das usinas, quando o inseto, em pequenas quantidades permanece quase escondido nas propriedades.  Nestes locais, ele recomendou que se faça a limpeza de resíduos de alimentação dos animais para eliminar possíveis pontos de reprodução e também a drenagem do terreno para evitar o acúmulo de água em áreas com matéria orgânica, e ainda que se realize o manejo adequado das pastagens e se evite o uso da adubação orgânica.

Tiago Paulino Jorge, coordenador do Sisbov em Mato Grosso do Sul (Foto: Anderson Viegas/Do G1 MS)
Tiago Paulino Jorge, coordenador do Sisbov em MS
(Foto: Anderson Viegas/G1 MS)

Sisbov
Além das pesquisas avança também no estado um outro trabalho voltado a sanidade, o de monitoramento do rebanho. Segundo a Embrapa, a identificação individual é elemento essencial em qualquer estratégia de segurança e defesa sanitária animal e independente do método, contribui de com informações para estratégias de combate a doenças, monitoramento da eficiência de vacinas, consolidação de sistemas de informação e vigilância nos âmbitos nacional e internacional, redução de inconsistências na identificação tanto durante a inspeção quanto em diagnostico clínico e laboratorial, além de sua eficiência na otimização do efetivo controle de movimentação animal, seus produtos e subprodutos.

Uma das principais ferramentas de monitoramento é o Sistema de Identificação e Certificação de Bovinos e Bubalinos (Sisbov), do Mapa. O serviço é pré-requisito para e exportação de carne para a União Europeia e é utilizado para a identificação e o controle do rebanho de bovinos e bubalinos do território nacional, bem como o rastreamento do processo produtivo nas propriedades rurais.

Brincagem dos animais é uma das ferramentas para identificação do Sisbov (Foto: Arquivo Pessoal/Nedson Pereira)Brincagem dos animais é uma das ferramentas para identificação do Sisbov (Foto: Arquivo Pessoal/Nedson Pereira)

A adesão ao sistema é voluntária. Segundo o coordenador do Sisbov em Mato Grosso do Sul, Tiago Paulino Jorge, atualmente 212 propriedades estão inscritas no estado o que representa um rebanho de 650 mil animais. Para assegurar o cumprimento de todas as exigências do sistema, essas propriedades passam por auditorias periódicas tanto das empresas que fazem a sua certificação quanto do Mapa.

Combate a carne clandestina
Apesar da eficiência do sistema sanitário na cadeia da pecuária de corte em Mato Grosso do Sul, os abates clandestinos realizados em estabelecimentos sem nenhum tipo de inspeção e a comercialização da carne em situação irregular ainda continuam a ocorrer. “Por uma questão cultural, alguns consumidores aceitam aquilo que lhes é oferecido pelo menor preço, sem se preocupar com a qualidade e as condições sanitárias do produto. Por isso, não basta que os órgãos de proteção exerçam seu papel de fiscalizar, autuar, apreender produtos e até mesmo prender os responsáveis pelo comércio ilegal. O principal interessado deve ser o próprio consumidor, que entrega o fruto de seu trabalho nas mãos de quem não respeita a saúde de sua família”, afirma o delegado Elton de Campos Galindo, da Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes Contra as Relações de Consumo (Decon).

Delegado Elton Galindo, da Decon, em Campo Grande (Foto: Juliene Katayama/G1 MS)
Delegado Elton Galindo, da Decon, em Campo Grande
(Foto: Juliene Katayama/G1 MS)

Ele explica que para retirar do mercado produtos em situação irregular a Decon atua em parceria com outras instituições e entidades como a Iagro, o Mapa e a Vigilância Sanitária. “As ações realizadas com Iagro, Mapa Vigilância Sanitária são focadas diretamente no combate à produção e comercialização de produtos de origem animal sem registro oficial e com trânsito irregular pelo estado, mediante abordagem a estabelecimentos comerciais, locais de comércio clandestino (informal), abatedouros, veículos de transporte de carga animal, etc. Todavia, sendo constatadas outras irregularidades, como armazenamento inadequado, temperatura imprópria, produto vencido, ausência de alvará etc., também são adotadas todas as medidas cabíveis. Nas ações com Procon e a Vigilância Sanitária, fiscalizamos também produtos industrializados, precificação, cumprimento das ofertas, dentre outras situações pertinentes à defesa do consumidor”, ressalta, completando que em 2015 foram realizadas sete operações conjuntas no interior do estado e para 2016 estão previstas outras seis.

Segundo o delegado, das 63 toneladas de produtos alimentícios em situação irregular apreendidos pela Decon no estado, 4,4 toneladas foram de carne bovina e seus derivados (cortes, carne moída e charque). As principais irregularidades encontradas na carne apreendida foram: produto de origem clandestina (sem controle de inspeção), armazenamento em temperatura inadequada e indícios de utilização de carne estrada para a produção de linguiça, entre outros.

Galindo alerta que o estabelecimento que for flagrado comercializando carne em situação irregular está sujeito a ser autuado por crime contra as relações de consumo, cuja pena pode chegar a cinco anos de prisão. “Administrativamente, o infrator fica sujeito à aplicação de multas, interdição total ou parcial do estabelecimento, dentre outras penalidades. Além disso, todo o material irregular é apreendido e descartado, gerando prejuízos financeiros. Mas a principal consequência é a reprovação moral por parte do consumidor, o que pode levar o fornecedor à falência”.

Segundo o Mapa, consumir carne de procedência duvidosa, que não tenha passado pelos processos de controle e fiscalização sanitária, pode expor a saúde da população a uma série de riscos.

Infográfico sobre os riscos do consumo de carne sem inspeção (Foto: Anderson Viegas/Do G1 MS)

Os problemas mais comuns são as chamadas toxinfecções alimentares, que são provocadas pelo consumo de alimentos, no caso, a carne, contaminados por bactérias ou suas toxinas, e que podem levar até mesmo a morte.

Outro risco são as chamadas zoonoses, doenças que são provocadas por vírus, bactérias, protozoários e parasitas que atacam os animais e são transmissíveis ao ser humano pela ingestão de alimentos contaminados, como a carne bovina. Neste grupo estão a tuberculose, a brucelose, a toxoplasmose e a cisticercose.

Para evitar esses riscos, o Mapa orienta que a melhor alternativa para o consumidor é comprar carne somente de estabelecimentos conhecidos e que assegurem que o produto passou por todas as etapas de controle sanitário exigidos pela legislação brasileira.

Anderson ViegasDo G1 MS

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